Tico e Teco: Defensores da Lei (2022)

Sátira animada é o melhor filme do Disney+. Não que exista uma concorrência

Como a maioria dos estúdios hoje, a Disney mantém seus olhos focados no streaming, prática que ganhou um destaque maior com a chegada de Bob Chapek como novo chefe da empresa. Enquanto o mercado começa a repensar essa estratégia, reconhecendo o valor do cinema, até como divulgação para os conteúdos que chegarão depois em casa, o CEO da Disney segue dando preferência total ao Disney+, por acreditar também nos custos menores de lançamento. O resultado disso são filmes com péssima distribuição e divulgação sendo jogados no streaming também pela falta de produções originais, até porque a maioria está se revelando mais próxima dos telefilmes do Disney Channel. Surpreendentemente, o filme do Tico e Teco é o primeiro a desafiar isso.

Pôster Tico e Teco: Defensores da Lei
© 2022 Disney Enterprises, Inc.

Anos se passaram desde que Tico e Teco e os Defensores da Lei foi um sucesso na TV. Com o passar do tempo os seus astros seguiram caminhos diferentes após uma briga de ego que fez o programa ser cancelado. Dentro desse mundo onde os desenhos são reais, desaparecimentos vêm se tornando comuns, com isso chegando até um antigo colega de trabalho, sendo algo que fará Tico (John Mulaney) e Teco (Andy Samberg) assumirem o lado detetive dos seus personagens para desvendar esse mistério.

Diferente das produções que parecem existir apenas para aumentar o catálogo de conteúdo do Disney+, o filme de Tico e Teco de fato apresenta algo interessante ao público, com muito disso partindo da entrada de Akiva Schaffer e Andy Samberg, integrantes do grupo satírico The Lonely Island, que junto fizeram o hilário falso documentário Popstar: Sem Parar, Sem Limites (2014) e que aqui voltam a falar sobre o universo das celebridades, só muda o fato desses artistas serem animações.

Existe uma clara referência à Uma Cilada Para Roger Rabbit (1988), inclusive com uma breve participação do coelho, porém com um olhar específico para a indústria de animação atual, o que inclui uma forte crítica sobre a migração das grandes animações para o 3D e como nem sempre esse processo é dos melhores. Em uma época onde os animadores estão cada vez mais abarrotados com trabalhos de CGI e com muito pouco tempo para produzi-los, o que acabamos vendo são filmes e séries com uma qualidade visual cada vez mais inferior. Muito disso graças à própria Disney, com seu excesso de produções Marvel e Star Wars.

Essa questão essa é usada como mote para a principal piada de Defensores da Lei que é o Vale da Estranheza, aquele ponto onde as animações se aproximar dos seres humanos, mas o resultado são características que fazem nosso olhar suspeitar dessa estranha proximidade incompleta. E desse meio podemos ver personagens de Cats (2019) e o viking Bob, alguém que é uma clara referência ao olhar de peixe morto dos projetos de animação “realistas” de Robert Zemeckis, como O Expresso Polar (2004) e A Lenda de Beowulf (2007). Um personagem que conta com a voz de Seth Rogen e que acaba tendo a chance de reunir as suas principais contrapartes animadas de filmes como O Rei Leão (2019) e franquias como Kung Fu Panda e Monstros vs Alienígenas (2009).

Mas ao falar de projetos de CGI estranho nada consegue se destacar tanto quanto o chamado “Sonic feio”. Execrado pela internet, a versão inicial do ouriço para o seu filme próprio ganha aqui uma espécie de redenção, após ter sido abraçado como um bizarro mascote pelo mesmo público que o renunciou. E com razão para isso, porque aqueles dentes humanos e suas pernas longas o aproximam mais de um maníaco do que de um personagem infantil.

Com todas essas participações fica clara a liberdade que o projeto teve para brincar, tal como a franquia LEGO fez nos últimos anos. A única diferença está no foco principal dessa zoação que finalmente chega à própria Disney. Se por um lado outros estúdios não possuem receio em zombar de si mesmo, como a Warner e a DC fazem hoje com os Jovens Titãs e a finada Fox fazia com Deadpool, a casa do Mickey sempre teve uma certa proteção com o seu catálogo, algo que parece mudar, permitindo com que o público se divirta com os erros assumidos.

Isso chega até a camadas mais obscuras, como na motivação de Sweet Pete (Will Arnett), uma versão de Peter Pan que entra no esquecimento após chegar à vida adulta, sendo um reflexo direto do seu próprio dublador original, Bobby Driscoll, astro mirim de diversas produções de Walt Disney, mas que não teve sucesso ao chegar na adolescência, sendo dispensado pelo estúdio e vendo sua vida terminar graças a um vício em narcóticos. Um capítulo sombrio da Disney que era encoberto e que Tico e Teco não tem vergonha de revisitar, talvez até sem conhecimento dos seus produtores, para o que parece ser apenas um Peter Pan do mal à primeira vista.

Todo esse universo das animações é incrível de se acompanhar, mas não deixa de ser um filme do Tico e Teco e a interpretação do filme sobre a vida da dupla é muito boa. Diferente de trocentas animações que vão para o cinema, como Alvin e os Esquilos, esses outros esquilinhos ganham personalidade, como antigos astros de um show de sucesso, mas além dos comportamentos diferentes, dessa vez fica mais fácil diferenciar um do outro, graças à cirurgia em CGI de Teco, outra crítica a todas as adaptações de desenho produzidas, passando pelo próprio Sonic, mas chegando também a figuras como Garfield, Os Smurfs, Pica-Pau entre outros personagens que ganharam filmes e designs esquecíveis. Se bem que fica aqui um aceno positivo para Zé Colméia: O Filme (2010).

Pode parecer estranho falar de transição para o cinema em um filme para o streaming, mas esse é o ponto diferencial de Tico e Teco: Defensores da Lei, sendo um projeto que poderia muito bem ter estreado na tela grande, ainda mais se levarmos em conta a escassez de produções nos cinemas esse ano. Muito disso graças à própria Disney que vem escondendo sucessos como O Predador: A Caçada (2022), enquanto nomes grandes como a Netflix passam a ver o cinema como um aliado e não um concorrente.

Apesar de criticar o estado atual do cinema de animação, como a insuportável mania de colocar desenho para cantar rap – que só no ano passado foi algo visto com o Gaguinho em Space Jam: Um Novo Legado (2021) e o Eustácio Resmungão no crossover de Coragem, o Cão Covarde e Scooby-Doo! – o filme ainda fica preso no formato moderno, com o uso exclusivo do 3D. Até mesmo os personagens em 2D continuam a contar um modelo tridimensional, apresentando assim um 2D de fachada. Mas essa não é a pior interação, já que seja pela direção ou pela atriz, a detetive Ellie (KiKi Layne) nunca parece estar contracenando com os esquilos, lembrando mais o Luciano Huck no Cine Gibi (2004) da Turma da Mônica do que o Bob Hoskins em Roger Rabbit.

Com um mistério interessante por si só, Tico e Teco: Defensores da Lei é sim uma espécie de releitura de Roger Rabbit para o mundo moderno, mas ele faz isso de uma maneira excelente, a ponto de ser uma das melhores comédias do ano, independente ao seu formato. Um projeto que merece mais do que ficar perdido no catálogo do Disney+, sendo possível então compreender a sua vitória no Emmy como telefilme, pois por mais que essa definição esteja longe de fazer sentido, o que realmente importa é ver um dos únicos filmes bons desse streaming receber seu devido reconhecimento. E sobre o seu plano de lançamento, se as coisas tivessem dando certo Chapek teria mantido o seu emprego.

Direção: Akiva Schaffer
Roteiro: Dan Gregor e Doug Mand
Elenco: John Mulaney, Andy Samberg, KiKi Layne, Will Arnett, Eric Bana, Flula Borg, Dennis Haysbert, Keegan-Michael Key, Tress MacNeille, Tim Robinson, Seth Rogen e J.K. Simmons
Trilha Sonora: Brian Tyler
Fotografia: Larry Fong
Montagem: Brian Olds
Produzido por: David Hoberman e Todd Lieberman
Título original: Chip 'n Dale: Rescue Rangers

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